… ‘tis now the very witching
time of night when churchyards yawn (…). Now could I drink hot blood and do
such bitter businesses the day would quake to look on…
William Shakespeare,
em Hamlet
[…
esta é a hora nocturna da bruxas saírem, quando bocejam os cemitérios (..).
Poderia eu agora beber sangue e fazer tais horrores que o dia estremeceria só
de os ver…]
Com
a presente citação de Shakespeare, Fernando Campos inicia a sua obra: A Esmeralda Partida, a qual é baseada em
factos reais da História de Portugal. O que é esta frase terá a ver com
História? — indagará o caro leitor. Possivelmente, até terá bastante,
dependendo do que é para ti a História. Será a altura talvez de repensar o
conceito apreendendo um novo.
Na
verdade, neste livro uma certa “estória” da História não é refeita por um
professor, mas antes contada por quem a viveu, por quem esteve lá e foi amigos
de reis, de príncipes e de princesas, de heróis e de vilões, nada mais nada do
que: Garcia de Resende! Desta guisa, essa “estória”, leva-nos a uma época de
guerra, de intrigas e de mistério, parecendo que somos nós a viver tal guerra e
a ver o sangue derramado. Parece que somos nós os espiões ao serviço do rei,
fugindo por uma ruela escura da turba de mouros enfurecidos… parecendo até que somos
nós o assassino, esperando na sombra o momento certo para executar a ordem
fatal. Desta forma, ao ler A Esmeralda
Partida sentimo-nos sempre perseguidos pelo vulto negro do suspense, fazendo com que o livro não queira
sair das nossas mãos e que nossa alma continue perdida na época d’el rei D. João II, o rei que jogava
xadrez.
Fiel
na reconstituição dos factos, dos ambientes e das personagens históricas, a
obra não deixa de ser um magistral exercício de imaginação (consumado numa
hipótese, talvez mirabolante, talvez verosímil). Interessante será atentar na
perspectiva do exercício do poder, ou melhor da progressiva instauração do
poder absoluto por parte do rei. No entanto, esse poder crescente do monarca é apresentado,
pelo autor, como a salvaguarda do povo, em relação aos abusos da aristocracia. Será,
hipoteticamente, essa a ideia transmita pela máxima de D João II, “pola lei e
pola grei”, associada ao símbolo mítico do pelicano. A personagem de D. João II
vai-se tornando, um tanto ao quanto, fetiche
na obra de Fernando Campos. Todavia, esta é a primeira vez em que surge “de
carne e osso” no desenrolar da acção, e, mesmo assim, por intermédio das
recordações de outrem.
A Esmeralda Partida é um daqueles raros
livros que não nos deixa parar de ler, uma daquelas raras obras com as quais,
por vezes, ficamos estáticos contemplando o mais ínfimo pormenor. No fim,
quando chegamos ao derradeiro ponto final, não conseguimos deixar de nos
perguntar: quem matou D. João II… essa
pobre esmeralda partida?
Por
isso, faço um desafio: leiam este livro! “Percam” algumas horas e vivam na “Era
de Quatrocentos”. Na minha parca opinião, A
Esmeralda Partida de Fernando Campos é pura e simplesmente imprescindível!
Santarém, 20 de
Agosto de 2000
Texto publicado em:
RELER — Revista dos Estudantes da Faculdade
de Letras, Coimbra, nº2, Novembro de 2002, p. 4
Adenda: Sei da publicação deste livro em edição do Círculo de Leitores, se alguém tiver um exemplar desses eu interessado em comprar ou trocar.
Sem comentários:
Enviar um comentário