quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Uma “Esmeralda Partida”

… ‘tis now the very witching time of night when churchyards yawn (…). Now could I drink hot blood and do such bitter businesses the day would quake to look on… 
William Shakespeare,
em Hamlet

[… esta é a hora nocturna da bruxas saírem, quando bocejam os cemitérios (..). Poderia eu agora beber sangue e fazer tais horrores que o dia estremeceria só de os ver…]


                Com a presente citação de Shakespeare, Fernando Campos inicia a sua obra: A Esmeralda Partida, a qual é baseada em factos reais da História de Portugal. O que é esta frase terá a ver com História? — indagará o caro leitor. Possivelmente, até terá bastante, dependendo do que é para ti a História. Será a altura talvez de repensar o conceito apreendendo um novo.   
                Na verdade, neste livro uma certa “estória” da História não é refeita por um professor, mas antes contada por quem a viveu, por quem esteve lá e foi amigos de reis, de príncipes e de princesas, de heróis e de vilões, nada mais nada do que: Garcia de Resende! Desta guisa, essa “estória”, leva-nos a uma época de guerra, de intrigas e de mistério, parecendo que somos nós a viver tal guerra e a ver o sangue derramado. Parece que somos nós os espiões ao serviço do rei, fugindo por uma ruela escura da turba de mouros enfurecidos… parecendo até que somos nós o assassino, esperando na sombra o momento certo para executar a ordem fatal. Desta forma, ao ler A Esmeralda Partida sentimo-nos sempre perseguidos pelo vulto negro do suspense, fazendo com que o livro não queira sair das nossas mãos e que nossa alma continue perdida na época d’el rei D. João II, o rei que jogava xadrez.
                Fiel na reconstituição dos factos, dos ambientes e das personagens históricas, a obra não deixa de ser um magistral exercício de imaginação (consumado numa hipótese, talvez mirabolante, talvez verosímil). Interessante será atentar na perspectiva do exercício do poder, ou melhor da progressiva instauração do poder absoluto por parte do rei. No entanto, esse poder crescente do monarca é apresentado, pelo autor, como a salvaguarda do povo, em relação aos abusos da aristocracia. Será, hipoteticamente, essa a ideia transmita pela máxima de D João II, “pola lei e pola grei”, associada ao símbolo mítico do pelicano. A personagem de D. João II vai-se tornando, um tanto ao quanto, fetiche na obra de Fernando Campos. Todavia, esta é a primeira vez em que surge “de carne e osso” no desenrolar da acção, e, mesmo assim, por intermédio das recordações de outrem.
                A Esmeralda Partida é um daqueles raros livros que não nos deixa parar de ler, uma daquelas raras obras com as quais, por vezes, ficamos estáticos contemplando o mais ínfimo pormenor. No fim, quando chegamos ao derradeiro ponto final, não conseguimos deixar de nos perguntar: quem matou D. João II… essa pobre esmeralda partida?
                Por isso, faço um desafio: leiam este livro! “Percam” algumas horas e vivam na “Era de Quatrocentos”. Na minha parca opinião, A Esmeralda Partida de Fernando Campos é pura e simplesmente imprescindível!   

Santarém, 20 de Agosto de 2000
 Texto publicado em:
 RELER — Revista dos Estudantes da Faculdade de Letras, Coimbra, nº2, Novembro de 2002, p. 4


Adenda: Sei da publicação deste livro em edição do Círculo de Leitores, se alguém tiver um exemplar desses eu interessado em comprar ou trocar.

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